sábado, 31 de outubro de 2015

Diário de bordo

A mais bela das tristeza: a que não se conforma; a que sorri, ousa e dança, a que traça rumos paralelos, mesmo que irreais. E por isso também, profundamente generosa; isto porque na amputação do não-vivido crescem os lugares de todas as possibilidades.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Duma certa forma

Duma certa forma as tuas mãos aqui
E tudo um agora raso e como demora 
Atravessar a imensidão dessa palavra.
O que me sustém e me impede desta 
Planície deste Alentejo chão onde me 
Deito ao comprido do dia em gelo frio
Onde me queimo devagar deste vazio?
Onde as arestas ou o cabide dos teus 
Olhos onde me despia? No colo dizias 
E tu dizias que haveria. E não haverá!
E a adultícia é tão curta para abraçar 
Para embarcar o arco-íris da infância 
Para onde foste oh meu olhar d'amor 
Que não me vens trazer ao portão do 
Dia começado e desde logo acabado. 
Porém os pés de esperança calçados!

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Diário de Bordo

O sonho prolonga o que não permite a vida. O que é uma metade? Meio caminho ganho à casa da partida ou meio caminho perdido para a casa da chegada? Há uma metade que chora, outra que ri; uma que ficou, outra que partiu, ainda que pela inventiva, como se algo em nós recusasse, por vezes no limite do absurdo, a sua própria condição. 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Pelas tuas mãos

Trouxe-me nu e despido 
Inteiro em meus defeitos
És tu que me vestes das 
Virtudes do branco linho 
Que me havia esquecido.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)


terça-feira, 27 de outubro de 2015

À chegada

Cai uma lágrima doce de 
Água na face lisa e porosa.
A pele sempre foi a boca por 
Onde se bebe o corpo do corpo.
Havia um lago no debaixo de nós
Que a recebeu ou o sopro ou quase
Uma onda ou quase o bater da asa
Repercutindo como a trombeta do 
Arauto o anúncio da sua chegada 
A todos os pontos da cintura da 
Margem por igual ou um círculo 
Um anel magoado que se tira 
Relutante do dedo enoitado. 
E há um barqueiro que nos 
Anda de lado a lado pelo
Redondo de não irmos 
A nenhum lado senão 
O dentro de que se 
Faz nosso viajar
Ensimesmado. 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O impante

Enxovalho tem vida própria pois se diz que quem pelo ferro mata por ele morre. É que debaixo do veludo afinal sempre espreitou o sabre. Os modos doces, os gestos enfeitados duma urbanidade sem cidade e raspas de piedade. Nem era caso para tamanho e vil transtorno: Não era refeição de se servir fria. Foi muito acaso ou despeito afetado e tiques de rasteira burguesia em cujas pratas grotescamente se reflecte. Impante, passeia sua ignorância malsã, sorriso de dentição afiada em boca apertada. Plim! Adiante que vem dia mas têm Razão aqueles que dizem ser prudente temer os justos; deles virão todas as iniquidades e inclemências em punhos brancos de renda vestidos estes ditosos. São anjos vingadores. Incautos quase os tomamos por pessoas. Vá de retro e em riste um destemido dente d'alho.

(c) Filipe de M. | texto e fotografia (2015)

domingo, 25 de outubro de 2015

A mão

Pela repetição, a abstração;
Pela abstração, a liberdade;
Pela liberdade, a compreensão;
Pela compreensão, o amor;
Pelo amor, a aceitação.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Entardecer

A voz que tenho cala 
Hoje mais do que diz.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)



quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Repergunto

O que é uma escada? 
Os degraus e os seus
Materiais; repergunto:
O que é uma escada?
O que me leva em pés
Do abaixo ao acima e
Do acima ao abaixo?
Então uma escada é
Um meio contendo 
Um fim; assim to 
Digo a mim: ser 
É cumprir-me 
Até meu fim.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Cada coisa

Cada primeira coisa 
É dessa coisa a sua 
Última. Uma anula a
Outra. O que avulta
É o que fica: a coisa 
Por si mesma basta.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)


Co(r)po

O beijo da pele ou
Viajar por dentro o 
Teu nome do dizer 
Longamente nome 
Como o lugar onde 
Beber da sede que 
Tenho de ser agora 
Mais do que futuro 
Por enquanto digo.
Nu lugar do corpo 
Um copo que pede 
A boca que o toca 
Libação no altar de 
Todos os prazeres. 

(c) Filipe M. | Texto e fotografia (2015)


domingo, 18 de outubro de 2015

Um pé dentro, outro fora

Nunca percebi isto:
Se fica quem passa 
Se passa quem fica.
Caminho caminhado 
Tanto o é por dentro 
Como por o andado,
Conquanto os pés e
A cabeça sejam par 
Ou ímpar de lugares 
Nunca encontrados.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)





sábado, 17 de outubro de 2015

Diário de Bordo (IX)

Desaprendo com quem pensa ensinar-me; aprendo com quem penso ensinar. 
Quase tudo é o seu contrário. 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

P'las mãos

O plano inclinado do dia 
Luz que diminui no invés 
Da soma das horas e eu 
Volto a ti sempiterno em 
Surpresa porque sei que 
Não é minha alma capaz,
Sequer por aproximação,
De entender que Alguém 
Que pode mais que nós
Te chamou e foste para 
Para tão longe onde nos 
Falha a distância e tolos 
Sonhámos que as mãos 
Eram asas da passarola,
Que juntos inventámos!
Como se fosse possível
Voarmos ao alcance da 
Altura em que te cremos 
Tudo isto para te vermos.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

No dia em que o céu caiu

No dia em que o céu caiu 
As aves pararam de voar,
Ficaram suspensas no ar. 
No dia em que o céu caiu 
Pessoas ficaram sem azul
Onde o sonho tem o onde.
Acorreu gente de todos os 
Lugares presas inermes no 
Breu e com seus braços e 
Juntas de mãos fizeram as
Escadas de alturas verticais 
E dos seus corações cheios 
De corda içaram dos chãos 
Os Inconjuntos céus postos 
Em seus devidos lugares de 
Ser um só céu sobre todos 
Azul por igual onde sonhar 
Se possa olhar e pássaros 
Pincéis voam para o pintar.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Anúncio

Quando o teu corpo oblíquo 
Interrompe o sol que vem da 
Manhã e a sua sombra toca 
A minha pele sei que da tua 
Boca virá o beijo Esse nado 
Na noite dos nossos corpos 
Enlaçados como dois teares 
Tecendo na véspera a roupa
Que vestiremos o dia novo. 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)


quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Ao largo

Foi minha opção depor a arma 
Para que em seu lugar o amor 
Foi minha opção o mais longo 
Caminho percorrer onde morrer 
Foi minha opção ser a margem 
Para que o rio pudesse passar

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Outono

Coragem é a sobra do medo.
Medo é a sobra da meninice.
Meninice é a sobra dos pais. 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

domingo, 11 de outubro de 2015

Consolo

Trago-te este dia em papel pardo Embrulhado para não arrefecer; 
Toma-o para que te aqueças deste 
Frio que se fez Agosto. Aceita-o. 
Terás o sol da manhã, o vento cálido 
Da tarde e o véu da noite para te aconchegar. Vieram os deuses 
Benfazejos ofertá-lo para que to 
Desse em próprias mãos no intento 
De nos consolar da tristeza que somos 
sem Lugar. Tanta, mais que muita, infinita, Mas bebe-o! Sermos da alegria Poderá tardar mas há-de chegar; temos Nele o arrimo d'aquele que passou a morar em nós o amor em vastos 
infinitos de mar! [Pipo]

(Z

sábado, 10 de outubro de 2015

Diário de bordo (VIII)

Não me sinto só. Sozinho!? Talvez. 
É breve. Fiz amigos. Gosto deles. 
E gosto mais de mim por via deles.
Vim ao rodapé da cidade ver o rio 
Que adiante se junta ao mar ter um 
Pé d'orelha contigo. Andava aflito, 
Inquieto por não ouvir a tua voz. 
Mas fiz o que faço quando fiquei 
Triste de amor: desci à rua; entre Pessoas sou feliz. Com mãos nos 
Bolsos, dispus-me a ouvir, a ver e Recordar. Sem mágoa. A luz está 
Linda e meu pai há um ensejo; não 
Me interessa perceber do que seja Apenas senti-lo. E já oiço a tua voz. 
Eu sei! Há gente achando que sou 
Triste. No modo aceito; mas nego.
Como seria possível ser triste se 
Estás aqui, na varanda ribeirinha Ensolarada no Tejo de Outubro!

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

Rumor

Chegou a chuva. Uma evidência? 
Não; chegou a chuva! Quando se 
Disse tudo, dizias, calamo-nos no 
Silêncio e começa-se de novo de
Regresso ao princípio. Olho o teu 
Rosto. Uma evidência, ou apenas 
O teu rosto? Não; o teu rosto! Nele
Vejo traços do novo mas vislumbro
Traços dele para velho. O que será 
Um rumor? Dizias: é o último lugar 
Duma plateia; mas estamos, ainda 
Que longe. Estamos onde? Dizias: 
Em lugar. O lugar é o sítio onde se 
Está. O lugar somos nós. A cadeira 
Que se abre e fecha. Ainda a olhar 
O teu rosto. A cadeira de ser lugar,
A chuva que chegou sem avisar e 
Tu, meu amor, porque te atrasaste? 
Bem sei. Não ligues. É desatenção 
Minha; sabes, minutos antes, ainda 
Deitado ouvi da portada que teimo 
Aberta o canto breve da ave. Breve.
E não voltaste e eu olho o teu rosto 
Os meus olhos a desenharem o teu
Para to levar. Dizias: sei o meu rosto 
Pelo teu. Não te direi nada, peço-te 
Apenas que devolvas o meu para te 
Poder olhar a partir deste lugar. 
 
(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Donde

Vem onda do mar
Líquida casa de sal 
Até às areias meus 
Lábios desta boca 
Que te quer beijar 

(c) Filipe M. | texto (2015)
(c) Paulo Cruz | fotografia (2015) 














quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Assimétrico

Duma certa maneira houve apenas aquele dia; ou o momento daquele 
Dia. Desde então: esse dia e o seu Momento. Umas vezes esse tal dia Muitas vezes, por vezes, nenhuma. Extremos convergentes no entanto divergentes em si mesmos. Somos muitos, para lá de tantos, e são os 
Dias de cada um e muitos os seus momentos e tantos os frutos doces 
E amargos da metáfora que somos. 
Um tende a ser outro: momento dia 
Dia momento; um tingindo o outro o 
Outro atingido um. Cada um atende 
À parte comum melhor fôra de que 
Não houvesse notícia de nenhum! 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Vasto diminuto

Já só tenho o 
Vasto tempo 
Que me resta
Tão diminuto
Tempo onde 
Intacto cabe
Tudo. Cabem
Todos os idos 
E os vindos O 
Velho e o novo 
Até mesmo tu 
Que tanto me 
Faltas d'amor! 

(c) Filipe M. | texto e fotógrafia (2015)




terça-feira, 6 de outubro de 2015

A água da flor

A boca um exército adormecido.
Acordai a palavra que desperta 
A que edifica e que nos levanta 
A mesma que derrota e corta e 
Adia e nos mata a palavra dita 
A palavra maldita que interdita 
A boca que beija ou a mesma 
Que encena a palavra falsa ou 
A que se arrepende a mesma 
Que nos chove dos olhos as 
Lágrimas choradas a boca 
Estuário a água da flor a 
Palavra que perdoa que 
Me eleva que te traz a 
Palavra redentora a 
Palavra toda ela a 
Paz que procuro
Exército indolor
Procuro amor 
Encontrar-te
E dizer pai 
Mãe e tu 
D'amor 
Capaz! 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Sermos

Se pelo princípio do Belo 
Digo contê-lo, então digo
Que prossegui-lo é um fim
Cujo início se faz em todos 
Nós, como em cada um um 
Canteiro ou um jardim. Sê-lo 
Não como um círculo fechado 
Mas como o aberto comungado. 
Então digo que o contemos na 
Parte. Então beijamos ao de 
Leve a Verdade. A instância,
De todas a mais alta, do 
Sermos em Amor. Único
Humano Absoluto. ➰

domingo, 4 de outubro de 2015

VII

Gostar de ti terá o tamanho
De caber eu os sonhos e tu.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)


sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O Bilhete

Por enquanto aqui. Não por cá, um 
Mal disfarçado encolher de ombros 
Que me nego. Cá; aqui. Diziam que 
Colheríamos as flores dos caminhos. 
As flores são prendas para que as 
Contemplemos; plantá-las para que 
Mais hajam. São escassas, sempre 
Poucas ainda que as digam muitas. 
E descaminho; a passadeira que se 
Enrola aos passos já percorridos e 
Se distende no que houver ainda a 
Dizer com os pés. Ah se estes dois 
Falassem! Calava-se o mundo para 
Ouvi-los. Quantas palavras, quantas 
Lágrimas, quantas facadas e mortes 
Simbólicas se apaziguaram nas ruas
Das cidades que trazemos de dentro 
Para fora. Por enquanto. Os favores 
Da luz, o vento brando sobre a pele. 
O olhar que sorri, a inclinação da luz 
A dar-nos o dorso e vamos felizes à
Boleia para a parte incerta de nós a 
Que comporta tudo o que ainda não 
Dissemos, o que ainda não vimos, o 
Que ainda não fizemos. Depois, no 
Longe do mar desenhamos o barco
A aproximar-se; surge o passadiço 
E subimos e há um círculo que se 
Fecha lídimo porquanto se ganha 
O justo bilhete da Viagem. 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)


quinta-feira, 1 de outubro de 2015

A Visita

E és chegado aqui, ao amplo 
Espaço: de mim e das tantas 
Ausências. Podes entrar por 
Essa porta que fiz para que 
Entrasses. Sairás no tempo 
Que julgares certo. Intervalo 
É isto: a sala só de ninguém. 
O instante (de minutos horas
Dias meses anos) que dizes 
Que contas deitar à vida ou 
Contas do ábaco das mãos
Um punhado de dias assim 
Outros assado e momentos 
Resumos dos diários que te 
Escrevo para que esqueças
De mim, ser desencontrado. 
Faço o tempo envelhecendo, 
Olho os retratos tão quietos 
São fitas de cinema com as 
Vozes originais silenciadas,
Dobradas com as vozes do
Tempo em que me falavam. 
Minto se disser que já não 
Espero; mas não sei o quê, 
Nem por quem. Sou a praia 
Não tenho como negar mar 
Mas sabes parece que toda 
Aquela imensa água ficou lá 
No fundo inatingível de mim 
Onde a sede que tenho está 
Apenas um passo atrás, um 
Passo desesperançado de ti. 
Podes sair; fiz esta porta 
Para que pudesses sair! 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)