segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O canto mais alto

Soubesse cantaria o mais alto dos cantos

Que me guindasse quando baixo faz meu

Olhar alta a altura da luz e pensá-la assim

Distante quando, em verdade, sempre ali!


A banalidade um caminho difícil d'aceitar:

Bebedouro donde tão poucos bebem ser

De excepção; ninho o canto-chão donde

Partem comuns como os demais e, cedo

Maiorais, inumanas aves o são. Pudesse 

Eu cantar as alturas imensas dum canto

Total, o canto dos seres imortais. Mas e

Aqueloutros cujo canto se faz sem voz? 


A heroicidade de quem vive o comum!

Transparência que fere e crua derruba

Por quem nunca nada vê. Tivesse voz

O dizer meu canto quem do seu chão 

Inda assim, fez alto seu peso imenso!



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Les feuilles mortes

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,

Les souvenirs et les regrets aussi

Mais mon amour silencieux et fidèle

Sourit toujours et remercie la vie.

Je t'aimais tant, tu étais si jolie.

Comment veux-tu que je t'oublie ?

En ce temps-là, la vie était plus belle

Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui.

Tu étais ma plus douce amie

Mais je n'ai que faire des regrets

Et la chanson que tu chantais,

Toujours, toujours je l'entendrai!

[Jacques Privett, Joseph Kosma]



(c) Filipe M. | fotografia (2016)

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Há chuva no teu rosto

O sol pede o fora, a chuva o dentro. 

O dentro-fora dum alpendre, duma 

Janela cuja vidraça reflecte este lar 

Ou esse. Afetos, como as primeiras 

Mantas, um abraço que vem detrás 

O assobio da chaleira ao lume, chá 

Quente em bules de avós falecidas

O piano das gotículas nas vidraças 

Ó paz uterina da água do céu regai

Os chãos a terra a rua os telhados; 

A nós sequiosos porque o sol abre 

Campos planos rente dor saudade.

A chuva canta o silêncio como voz 

Mater vinda de fora e nos convoca 

E nos demora na cama o amor que 

Nos ficou ou que partindo ficou ou

Que ainda não chegou como a flor

Se parece ao copo d'água do beijo

Assim a chuva baptismal é altar do

Mundo breve. A chuva o teu rosto;

No teu rosto molhado, roupa chão

Seu despojo, há corpo que é meu 

No ínfimo momento do abraço em 

Que te fecho e sinto aceso desejo.



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Hélio

As palavras têm portas mágicas para que as 

Entremos; são coisas móveis que trazem em 

Si, se as lermos e as dissermos pensadas ou 

Faladas como balões de hélio fartos subindo

O acordar seu torpor, sentimentos e lugares

De amor, pensamentos quase gestos, fins e 

Começos, mundos reais e irreais, confissão

Dum querer, do abandono porque se viveu 

Aquém ou demais tempos órfãos de lugar. 

São depois e antes de nós: assim seja vez 

De nascer e dizer mãe e pai ou hora de se 

Morrer e, segunda última vez, o dizermos

Preces tão vãs: ah meu pai e minha mãe! 



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Entre mãos

Para que os olhos vendo, abracem o céu,

Têm os pés que firmar-se no seguro chão.

Alto e baixo são irmãos; nós em suas mãos. 



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Reinscrição

A palavra inscrita 

É sempre a última 

Outra apenas virá

Se escrita se quiser.



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

domingo, 23 de outubro de 2016

Somenos

Se for um dia mais que me

Traga coisas que não digo;

Se, ao invés, um dia menos 

For, que as dê a quem vier!



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

sábado, 22 de outubro de 2016

A casa

É, com quem fui e sou feliz,

Tijolo desta casa que habito.



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Quando assim é

Quando assim é; quando, como ontem, em que 

A palavra fim tem como som cavo um clique da 

Lingueta duma porta que se fecha uma imagem 

Que se acerta com nosso sentir somos mentira 

O sermos de entre todos precisamente os mais 

Sós, mas assim nos julgamos e nesse momento 

É, de todas, a maior das nossas verdades! Vim,

Como de há algum tempo, ser-me e procurar a 

Rua do meu nome nas ruas que percorro tanto. 

Andei sem rumo indo para onde me chamavam. 

Sem cansaço subi escadas, inda mais escadas 

Eu subi e quanto mais subia, mais perto ficava 

De mim e muito acima do que concebe o meu 

Ser vi o patamar de pedras brancas luminoso;

Mais adiante, uma varanda em vidro. Defronte

A lua inteira luzindo sorriu àquele seu menino!



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Wellcome to my world

And if you stay a while

I'll penetrate your soul

I'll bleed into your dreams

You'll want to lose control

(...)

I'll weep into your eyes

I'll make your visions sing

I'll open endless skies

And ride your broken wings

(...)

Welcome to my world

(...)

We'll watch the sunrise set

And the moon begin to blush

Our naked innocence

Translucently too much

(...)

And I'll hold you in my arms

And keep you by my side

And we'll sleep the devil's sleep

Just to keep him satisfied

[Depeche Mode]



(c) Filipe M. | fotografia (2016)

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Condão

Levantei o peso das portas, 

Abri janelas há muito fechadas, 

Derrubei dos muros suas paredes 

Fiz dos tectos céus d'azuis imensos 

Nos chãos secos logrei suas enxadas 

E descobri-me nu na vasta assoalhada.



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Chamada

Se me chamares fá-lo

Hoje que sou feliz sou 

Deste agora sem hora

E o onde e o quem não 

Estive nem fui não sabe 

Nunca soube este meu 

Nome que trago e trajo

Usado p'lo lado de fora.



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

sábado, 15 de outubro de 2016

Breviário

Ah viver-se

A mais bela 

Quão breve

Despedida!



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Afluentes

A minha mais alta aspiração é respiração 

Deixar que o mundo e dele tão boa gente

Me entre e saia ao seu encontro afluente!



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Diário III

Por mais diminuta escassez ou no excesso 

Incontida pletora somos os dias; o primeiro 

O último os de permeio; por mais que deles 

Se faça devido ou indevido uso eles passam.

Por nós dentro, assim como o mar nas areias 

Que o cercam. E somos as rotinas que temos 

E mais as somos quando as desfazemos. Por 

Mais novo que o novo seja em anúncio prediz

O velho; este diz quem somos. Não porque se 

Morra, um nada em si, mas porque de viver se 

Deixou. Tão desigual é dizer sul ou dizer norte.

Por mais andado ou parado há movimento que 

Se faz por si. Na maior das casas e entre estas 

A mais rica há pobreza escondida, em casa de 

Gente pobre e dentre estes os paupérrimos há 

Improváveis alegrias. Por mais aberta que seja 

A planície trago cercados, por mais prisioneiro

Vento a liberdade. Por mais que insista desisto

Por mais que desista persisto. Por mais amor o

Fim do mundo é o lugar ao lado e há o consolo 

De dizer sem que saibas ou me oiças teu nome

Enquanto houver frondosas sombras de árvore

Ou a orla do mar dilo-ei até me cansar; foi tudo

Ficámos eu. E digo o teu nome e ergo-o à boca

Sua altura te beijo. Ficámos eu; aí no lugar que 

Vim. Ah o passado! E vai dizer à ave que ferida 

Voa sangrando nos céus impossíveis matérias 

Do sonho que pare! Dizei tu como este decaiu;

Não o direi; mesmo se exangue uma, são duas 

As asas; essoutra inteira ainda reclamando dia.



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Por um triz

Na minha tristeza sorri por um triz 

Quando te vi passar era teu o que 

Supus ser meu; como pode mero

Sorriso trazer a manhã aos meus 

Braços a sua inteira luz, a nudez

Que assim invoca o início do dia,

Justo agora enamorado dum fim. 



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Intransitivo

A memória não traz 

Não diz, nem toca.

Na ausência vago

Aroma presente. 



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Aportagem


São barcos que aportam

Antigamente é fruto futuro 

Da árvore caído e pescadores

Com suas redes trazem o peixe 

Arrancado ao mar e a tua mão lá

Para apanhar o que de moto próprio 

Se liberta e viúvas e seus lutos a saber 

Ao sal de quem foi para não voltar e seu 

Sabor de o comeres já sem Deus, nem pai.

E nas areias, toalhas de renda à beira do mar

Aves debicam sobras; antigamente o segundo

Éden teu corpo nu, num arco perfeito, requebra 

Em modulações de prazer, bandoneón seu som 

A boca quente, espasmos verbais e em silêncio 

Os barcos em terra, secos sem viagem, e seus

Timoneiros em casa ou no fundo do mar, cuja

Dor seus ais são laivos tristes dum vento que 

Venta quando já ninguém lá. Antigamente eu

Tua árvore, do teu sono a sombra para que 

Me sonhes. Há-de haver fome; ali deitado

Te deixo, menino cansado. Irei à faina do

Mar para que traga o saceio à boca das

Fomes, não de alimento as maiores. E, 

Se não voltar, acordai e voltai a amar.



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

domingo, 9 de outubro de 2016

Aninhar

Serás eterno

Até eu morrer

Daí por diante 

Não sei dizer.


Dizer eu sei 

Que aqui já

Não cabias

Nem estás!


No começo 

Vives amor

O tamanho

Dum ninho

Ao crescer 

Todala ave

Fita o mar,

Céus sem 

Fim azuis

P'ra voar.



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

sábado, 8 de outubro de 2016

Receio

Supor teu seio ardor no plano alto meu ser

Bâton rubro apagado acende cor noutros 

Lados. As mãos, a tua roupa, meu chão, 

Andam na contra-mão do te conhecer.

E sei, dum saber a ti anterior, que se o

Fizer, inda que por uma só vez o faça,

Para sempre no teu nome meu amor. 



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O instante

Não digas nada...

Uma única palavra 

Fazei-a aguardada

Ainda não teu beijo 

Deixá-lo ser desejo

Não já a madrugada 

Que se retarde como

A onda que se acima 

Ao próprio mar o seu 

Instante desfecho ser

Longuíssima felicidade. 



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

O imaginar

Se imaginar possa uma fonte 

Como repetido começo, posso, 

Do mesmo modo, imaginar num 

Corpo que se alonga mãos em flor

No que a encima de cor seus olhos, 

Que desce aos pés, raiz do chão que

O alimenta dessa mesma água fresca.



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Easy Ride

What I want is to find my place

Breathe the air and feel the sun 

on my children's face

That's what I want

I go round and round just like a circle

I can see a clearer picture

When I touch the ground I come full circle

To my place and I am home, I am home.

['Easy Ride', M. Ciccone]



(c) Filipe M. | fotografia (2016)

Em vez...

Na cidade nasci; nela nasceu

A minha dispersiva inquietação;

E o meu tumultuoso coração

Tem o pulsar caótico do seu. 

A! Quem me dera, em vez de gasolina,

O cheiro da terra húmida, a resina,

A flores do campo, a leite, a maresia! 

Em vez da fria luz que me alumia,

O luar sobre o mar, em tremulina…

Divina mão compondo uma poesia.

(José Carlos Queiroz Nunes Ribeiro)



(c) Filipe M. | fotografia (2016)

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Um tempo, um modo, um lugar

Um tempo, um modo, um lugar. Não o verbo.

Sabes que sorrio! Inalterável ser seu género;

Nunca um verbo, a tantas vozes, logo tu que 

Gostas de estar calado; advérbio: o amanhã 

Provavelmente algures. Dois sem mais nada 

Deixando para trás aqueles não convidados 

Que apareceram naquela boda que jurámos

Nua em testemunho a lua que nos acendeu 

Caminhos de mar, mão líquida de honor sua

Ondeia fulgentes anéis em nossos dedos, é 

De prata a noite. Salva seu altar quem julga

Que perdido é pra nunca mais se encontrar. 



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Florbela

Para os teus beijos, sensual, flori! 

E amendoeira em flor, só ofereço os ramos, 

Só me exalto e sou linda para ti!

[A Tua Voz de Primavera' Florbela Espanca]



(c) Filipe M. | fotografia (2016)

Torga

Livre não sou, mas quero a liberdade. 

Trago-a dentro de mim como um destino. 

E vão lá desdizer o sonho do menino 

Que se afogou e flutua 

Entre nenúfares de serenidade 

Depois de ter a lua!

['Conquista', Miguel Torga]



(c) Filipe M. | fotografia (2016)

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Ricardo Reis

Quem diz ao dia, dura! e à treva, acaba! 

E a si não diz, não digas! 

Sentinelas absurdas, vigilamos, 

Ínscios dos contendentes. 

Uns sob o frio, outros no ar brando, guardam 

O posto e a insciência sua

 ['Odes', Ricardo Reis]



Filipe M. | fotografia (2016)

Por tuas mãos

Ah o mundo! Por inteiro

Por tuas mãos o soube.

Afagos e ventos do céu, 

Em meu rosto defronte 

Ao teu pausa a saudade. 



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Cicatriz

Uma cicatriz. Como se uma porta entreaberta

Discretamente se fechasse, deixando presa a 

Peça de roupa da véspera dum corpo d'amor

Que desaconteceu e paira procurando outro 

Lugar. O ombro superfície lunar e a sua mão 

Plumitiva dizendo murmúrios na longa costa 

Da tua pele; uma crónica que escorre que se

Espraia em vontade e rumo próprio o para lá

Das minhas mãos que desembarcam no que 

Viajam. Restituição? Ah não Nunca o mesmo 

Lugar, tão-pouco o olhar. O dique represa as 

Águas; mas, uma vez libertas, tudo apagam!



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

O abraço

Naquela noite perdida perguntavas a tua razão 

De ser. Não soube, nem saberei responder-te!

Vivente não. Talvez depois do depois. Hoje no

Hausto duma queda que por medo metaforizo

Percebi que quem ama agarra o seu elo olhar 

Ao olhar do ser amado. O corpo magoado cai

Mas a força dum exército de mil braços tem a

Amarra do olhar que se confia noutro. Razão? 

O teu olhar ante um pai cuja queda abraçaste. 



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Evocação

A boca fermenta evoque-se nossa morte 

Morramos a sul morramos no mar ao sul.

Não há nada ninguém p'ra lá do mar azul.



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Hidden heart

Find the hidden heart!




(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)


sábado, 1 de outubro de 2016

Em mãos próprias

E por nossas mãos próprias 

Palavras dão-se do silêncio 

Vindas. E estamos! Inteiros.  

Cá. Investidos; capacitados.



(c) Filipe M.| texto e fotografia (2016)