sexta-feira, 29 de abril de 2016

Anverso

De todos, o mais íntimo dos gestos 
Fora esse: o vestir diante dele cada
Peça sua com que se havia despido. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

II Acto

A tua boca que beijo,
Alento meu Certeza?
Que o mundo inteiro
Nasce nessa precisa 
Hora pra te começar
E não acabar jamais.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

I Acto

Amor trago comigo 
Esse amor que dei,
Ficou aí ao teu lado
Este é meu outro ir. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

(Des)encontro.

Não procurando, acharei. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)


segunda-feira, 25 de abril de 2016

Garbo

Quando Greta Garbo se demite
Dos holofotes do mundo encena
A radicalização da sua visibilidade: 
A completa ocultação. Nada convoca
Mais a imagem que o seu vazio diáfano. 


(c) Filipe M. | texto imagem arquivo (2016)

Longitudinal

Dos lugares o mais incomum,
Esse, o comum; o que não sei. 
Lugar onde nunca cheguei no
Tempo certo porque d'infinito 
Esse tempo finito o tomei. Ah 
Tolo que fiz longe o tão perto! 



(c) Filipe M. | Texto e fotografia (2016)

Estaleiro

Um dia quis um barco e tu deitaste-te 
Da ré à proa todo o teu corpo viajado. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

(in)ventado

As esporas magoam o galope
Bem vês o amor não se diz As 
Esporas riscam os flancos do
Amor que não se inventa Mas 
Nada detém do rio seu curso.
É o caminho que impele e diz 
Quem vem daqui e dali Jogos 
De vontade sem verdade que 
Joguetes pouco mais somos.
Há todavia nesse meu galope
Que galopo o querer mais ou 
A distração do tempo que ora 
Leva ora traz e com ele vento 
Que tanta falta me faz. Venho 
Desse sítio onde havia mais e 
É no vento o movimento que 
Galopo onde lembro o tempo 
Em que não olhava para trás! 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Um barco sobre um rio

Quando chove como ainda hoje esta manhã 
Há no silêncio em casa esse corpo de água 
Sobre a cama do vidro da janela da saudade 
Que entra e serve café ou chá acabados de 
Fazer. Lá fora o rio agarrado de mar abraça
Quem vê nadar no dentro do segredo do ir 
Neste por aqui connosco, paralelo invisível
Anónimo dum nome que já foi seu não mais.
Estás lá fora e chove e eu não vou porque e
Se me chove onde estão as tuas mãos que 
Faziam uma tenda para me proteger. Onde
Tu aqui que não vejo nem oiço deste hoje 
Que tantos dias tem já! Podes aparecer cá 
Contei até dez contra a parede outra vez!
Muitas dezenas mais; tantas; centenas. Eu 
Não a casa eu não a rua sem topónimo teu 
Nome em mim mas não no redor de mim o
Antónimo que fui para que te pudesse ter. 
Que fazer para que me possas acontecer?


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

quarta-feira, 20 de abril de 2016

(a)manhã

Quando sonhamos: a manhã
Quando descremos: a manhã
Quando amamos: a manhã 
Quando adormecemos: a manhã 
Quando perdoamos: a manhã 
Quando vivemos: a manhã 
Quando morrermos: amanhã! 



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)


terça-feira, 19 de abril de 2016

Relógio II

Depois muito demoradamente após
Percebemos que das sombras seus
Corpos materiais; nunca o contrário. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)


segunda-feira, 18 de abril de 2016

Relógio

Perceber hoje, neste átrio
Dos dias seu lajedo o fim 
Desejado desta estação;
Esta mesma que augurei 
Sempiterna de vontade. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

O equívoco

Não ter esse sítio 
Vago lugar onde 
Pousar cansaço 
Que trago Tanto 
Que custa levar 
Não pelo peso
Que pesa mas 
Por andar sem 
Fim as infindas 
Léguas Supus
Este equívoco 
Que acalento
Um ser alado
E poder voar 
Haja na terra 
Que me pisa 
Um alto sítio 
Para colocar 
O olhar que 
Me suba aí
Donde me 
Vejo ficar. 



(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

domingo, 17 de abril de 2016

A outra vez

Disseram que não dissesse
Percebo e não dizer posso;
Mas é de ti que mais gosto.
Tu mesmo de futuro diante. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)


Pormenor

E por nossas próprias mãos 
As palavras do silêncio vindas.
Ali estamos: inteiros, investidos 
e capacitados. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Ucronia II

Não há tempo para o amor
Nunca houve, nunca haverá!
O amor não tem o tempo que 
Se demora Um telhado ao fecho 
Do chão embora escadas sempre 
As haja quando se finda a vontade.
Se dele tingidos o tempo desbotou!


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Desalinho

Não alinhada!


(c) Filipe M. | fotografia (2016)

Bowie

Put on your red shoes and dance the blues"
David Bowie ('Let's Dance')


(c) Filipe M. | fotografia (2016)

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Bang, bang!

(I)
A bala na linha de saída: 
palavra assestada ao 
alvo; projéctil mortal, 
ponto fatal. 
Bang, bang! 
Corpo ao solo...
 
(II)
Saber-me, talvez por instinto, 
acometido duma morte exangue; 
sem autor material. 
Toda ela escorrendo por dentro, 
desaguando na periferia doutro 
lugar onde a escuridão só. 
O cérebro, com inteireza de
sentidos, rememorando 
vagarosamente o momento 
imediatamente antecedente: 
aquela boca (estou certo disso: 
a tua boca) numa tensão calada, 
a represar o que haveria de sair! 
Um sorriso; melhor, um esgar de 
cão na intenção do bote. O olhar, 
toldado, na predição exacta do 
inevitável e daquela boca 
[garganta; língua; lábios; saliva] 
surgir como uma bala cuspida
a palavra há muito esperada: 
acabou. Finito. O coração 
perfurado de lado a lado.
Merda!

(III)
Sem corpo, desapossado de mim 
e de ti e, sequer, por sorte, um par 
de óculos escuros: vestem ─ quem 
vê e é visto! O mundo como nunca 
o vira , porventura demasiado real: 
outrora… outrora… outrora…
O pano desce num aprumo vertical: 
FIM.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Arrumos


O que é o lá fora? 
É tudo o que não
Nos cabe dentro. 

O que é o dentro?
É tudo o que não 
Nos cabe cá fora. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Gozoso

O belo é o círculo perfeito
Não cabe nem o bem nem 
o mal. Bainha mágica nem 
De por nem de tirar é olhar 
Por demais olhar para que 
Se adentre o ser tangente.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Cidade

A cidade 
Inacabado 
Descaminho.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Inalcansável

Recorro ao teu corpo nu, ali, diante de mim
Como uma verdade. Como se me dissesses
Porque te vestes assim. Tu, incapaz (capaz)
De trazer para dentro de mim a tua verdade.
Esse que se defende sem razão à distância 
Da porta cuja luz dum egoísmo inadvertido
Te me leva assim inteiro e eu de ti a metade 
Contra-luz sugerindo o que não me assiste.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Transitivo

Um dia qualquer 
Qualquer dia eu 
Vou; irei sem lei 
Para esse lugar 
Onde estiveres 
Para que daqui 
Saia De anseio
Desfocado me 
Vejo o não ser
Este desdém 
De chamar e 
Nunca me ir.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Under the Sun

Abaixo do sol 
Não é sol que 
Somos da luz
Tanta quanta 
Nos traz mas
Assombrados 
Pisamos uvas
No lagar chão 
Do tempo que 
Por dentro faz.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Indiscrição

De todos, o mais íntimo dos gestos 
Fora esse: o vestir diante dele cada
Peça com quem se havia despido. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)


Imperdoável

Perdoar-te-ão tudo; 
Menos a liberdade! 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

domingo, 10 de abril de 2016

Retrato roubado

Avé Maria de Maria enamorado 
Nascido de ti mãe sem pecado
Em verdade, prazer imaculado. 
Sou sozinho, comigo andado e
A tristeza que vejas sou calado.
É por dentro que trago mágoa 
Sem alarde Sou de tão alegre 
De mim esquecido em algum 
Lado; possa em ti encontrar. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

quinta-feira, 7 de abril de 2016

A escolha

Desse nosso
Beijo beijado
Boca a boca 
Respirámos 
Um de cada 
Lado o lado 
Que pulcro 
De vontade
Escolheu a 
Liberdade!


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Recado

Quando a luz desce 
Sei um fim que finda 
O que começou Não 
Importa incompleto!
Haveria sempre um 
Remate um compor 
Basta um primeiro;
Segundo é sobra;
A unidade é fim
Que leva o que 
Te trouxe aqui. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)


Abatimento

Não fui eu que desisti;
Foi o chão que abateu.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Respiração II

Suspendi tudo Anomia Anomalia 
Disse tudo e o boneco morreu o 
Ventríloquo e pude desaparecer
Para respirar silêncio é verdade. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Arredores

O boçal pede com maus 
Modos bons modos à
Mesa onde não 
Sabe estar!


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Vilanias

As pessoas boas 
São boas pessoas? 
Não! nem assim-assim,
Proezas na corda bamba 
Pessoas boas fazem coisas 
Más sem intenção; as pessoas 
Más fazem o bem com calculada 
Intenção no fito nefasto dum outro 
Se o justo cair com regozijo di-lo-ão
Enganador; se o vil se ergue redenção 
Escopo do Senhor, seu ser instrumento. 
As pessoas boas são vilãs com sombras 
Abismos onde lá cabem todas. As outras 
De tibieza e judicativas certezas, dichotes 
Tiques de grandeza, insolúvel pó granuloso
Punhos de renda a limpar o chão, voz grave 
Colocada, artifício de vã urbana amenidade! 
Na palavra aberta, desafogada o darmo-nos
À morte sabendo ser o destino da espada do
Virtuoso que não sou, nem bom, nem pessoa 
Boa, dada ao bem vale? Pessoa é só adjectivo 
Do substantivo das substâncias do bem e mal 
Cada um à vez seu papel é-nos fatal. Na linha 
De tiro, se de arma capaz, capazes somos de 
Morrer matando ou de jactante vaidade, dita 
Humildade, o deixarmo-nos vingativamente 
Matar para sorrir diante do nosso matador. 



Devoluto I

O que não tem dentro falha por fora. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Devoluto II

Espelho que se espelha 
Porque ninguém demora. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

Jactância!

O paquiderme d'olhar 
Levantado tropeça na 
Tromba. Que susto! A 
Formiga, que passava
Deita a mão e impede
A queda. Há senhores
Dum pequeno imenso
Estar, altos de silêncio
Incólume o pavimento,
Ordem para continuar! 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

sábado, 2 de abril de 2016

A continência

Pomos sempre o homem adiante. 
É o suposto; o irmos atrás, fechar 
O que se abre. A criança antecipa
Quem será (estranha lógica o ser)
O homem rememora, adulterando, 
A meninice. E o corpo desses dias 
É exactamente o quê? O permeio? 
São os pés. Sim; a sustentação do 
Corpo. Quando morreu, quando ele 
Morreu e tem morrido desde então 
Combinámos uma troca: que fosse 
Ele para trás e ele já eu para diante
Onde à proa o vento corta e magoa. 
Muda tudo. Emudece tudo, um som
Cavo que nos acompanha sentinela
Que vela e sobre o qual um artifício 
De sermos (in)capazes das palavras 
Charrua porque a não ser assim não 
Há estação possível para frutificar a 
Quem é suposto colocarmos o fruto 
À boca. Mas essa nova fome carece
De alimento por inventar e morrer é 
Água que não se escolhe beber. Ele 
Ali sentado, adiante. E o meu banco
Em lento movimento marítimo e dele 
A mão formando a continência e seu
Vaso de mar no rente olhar a passar. 
Passou e vai passando e repassando
E as cordas desamarradas onde me 
Agarro quando te sinto perder. Cais 
Caos de não voltares e há tanto mar 
Sem água de beber, o tempo há-de
Chegar, onde me sento a desenhar 
O teu rosto em movimento a dizer 
Tudo e nada do teu jeito de amar. 
Pomos sempre a criança adiante. 
É assim que tem que ser e será! 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)