segunda-feira, 27 de abril de 2015

Enquanto

Estás aí? Sim; estarei sempre aqui enquanto for aí. | Continuas aqui? Sim; estarei sempre aí enquanto for aqui. | E se um dia não mais? Não pares de rumar e de sonhar. | O que é rumar e sonhar? É fazeres da rua o mar para que eu possa voltar a este lugar. | Estás aí?..,

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015) 

domingo, 26 de abril de 2015

Primeira vez

Foi no final da rua
Na dobra da esquina 
Que percebi...
Demora a vida atravessar a rua 
Há o passeio 
O asfalto de permeio
Há o passeio 
Voltar ao outro lado a buscar o que ficou desse lado do lado
O asfalto de permeio
Chegar ao outro lado e poisar o que ficou do outro lado
Uma rua e a vida para a atravessar 
Um lado do lado 
O lado do outro lado:
"Um-dó-li-tá
Cara de amendoá
Um segredo colorido
Quem está livre
Livre está"
O asfalto de permeio (a língua do gato é áspera como lixa e dói nos pés o que se lhes fixa) 
Os passeios escorregam-nos das mãos 
Os passeios e as suas calçadas Desenhadas para que os pés as leiam Mas não seguram o andar que tem o olhar
A rua tem começos e fins 
Quatro sentidos:
De lá para cá 
De cá para lá 
Deste lado para o outro
Daquele lado para este
Uma vida rectangular 
A face tem apenas dois lados 
A face magoada 
E a outra face que damos para que nos doa uma segunda vez, 
Consentido desta vez
Consentido por uma vez 
Sem sentido nenhum 
A rua tem quatro faces para que corramos na ilusão longitudinal do rectângulo, mas sei bem que é um quadrado (!)
Um quadrado circular porque andamos às volta uma vida inteira para atravessá-la (a rua somos trespassados de lado-a-lado). 
Mas ficamos sempre qualquer coisa no (e do) outro lado quando já deste lado estamos e voltamos uma e outra vez 
(a língua que arranha também cura e amacia o pelo grés) 
Menos de cada vez 
Uma e outra vez
Demora uma rua inteira para fazermos uma vida 
E na esquina 
Vi-te uma última vez 
(a primeira vez, talvez) 
E percebi...
Que o rosto só se vê uma vez. 

(c) Filipe M. | texto & Fotografia (2015)



sábado, 25 de abril de 2015

Descaminho

Têm o nascer e o morrer espaço dum só; invente-se um par para cada um de nós em razão de se dividir pena, cabendo assim metade do que houvera de por natureza inteiro ser e por junto pois não têm outros carregos de monta junta para bois em número de dois? Faça-se junto o separado e do leito deleite, ou logro deliberado, pois que caminho partilhado não rouba nem légua, nem cansaço, mas desarrolha a fala e desatenta o olhar e mais ainda o pensar do fim que a cada um reserva seu próprio nascer, segredo no ouvido calado, como segredo revelado p'lo vate que ora um passo atrás, ora outro adiante faz-nos o caminho e o descaminho do berço pai à mortalha da terra mãe.


(c) Filipe M. | texto & fotografia (2015)

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Nascentes

Para onde vão as lágrimas que choramos!? Morrem no segredo da pele. Há flores da pele. Nascem do beijo dessa chuva de nós e do corpo da terra. Pétalas de água, gomos de amor, cada uma delas, uma a uma choradas. Um dia, no último dos dias, serão todas, uma a uma, aos olhos das nascentes regressadas e não mais caladas. 

(R) Filipe M. | texto & fotografia (2015)

terça-feira, 21 de abril de 2015

O mundo

Às vezes o mundo começa no teu ombro (onde me escondo); 
Às vezes o mundo é o teu ombro, (onde me descubro);
O tamanho do (meu) mundo vai dum ombro ao outro. 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

sábado, 18 de abril de 2015

Ru(mar)

"O que é sonhar? É fazer da rua o  mar para que eu possa voltar! "

(c) Filipe M. | texto e fotografia [Funchal] (2015; 2014)

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Tangente

E por fim tu, meu velho. Depondo o dia asado, a máscara e a roupagem. E há um rio que te recebe no seu líquido colo. E há luas acendendo cores finais por sobre águas ventadas. E por fim tu a chegares a ti como quem se aninha na infância do que supôs começos. Assoalhadas que ressoam os teus passos e o silêncio de todas as vozes. Sim, tu, caminhante de caminhos vagos e errantes. Se por um acaso perseveras fá-lo junto ao curso, à margem, à tangente: na bainha de possibilidades. Um dia, um dia mais, um dia menos. Mais tu, menos tu...tu, meu velho que morres vivendo. E há a luz do rio e há água em ti. Nascente. 


(c) Filipe M. | texto & fotografia (2014; 2015)

terça-feira, 14 de abril de 2015

Imaginado

Andarilho do tempo em que voava 
Fui cavaleiro no caminho da espada 
Envelheci nos campos a madrugada
E esgotei em terra a busca do mar 
Da alta barca marinheiro 
Na proa do vento soube da chegada
E imaginado teu rosto assim este desenhado e da cama salgada levantado e a mim trazido como pescado teu corpo respirado na boca ao rente do calado 
Nem o partido, nem o chegado
O naufrágio foi o viajado. 

(c) Filipe M. | texto & fotografia (2015)

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Agulha

O que é o passado, em ti? Aquilo que a um tempo foi futuro;
O que é o futuro? Aquilo que a que a um tempo será passado;
O que te é o presente? Nas ferrovias a agulha determina o rumo a seguir; o presente é isso: a agulha!

(c) Filipe M. | texto & fotografia (2014; 2015)

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Degustação

E vieram. Têm vindo. Os dias solares e as ruas da cidade (como sou dela!) com vida(s) e gentes daqui e dali, os cafés, os jornais do dia, os namorados (novos, velhos e assim-assim) teimando o Amor e o enlace das mãos e dos olhos. As velhotas debruçadas na moldura das janelas que me dizem 'bom dia menino' e as vagas da noite com caras de ontem, copos resistentes no seu vazio e aquele cigarro embriagado e o café redentor! As árvores e suas sombras que põem rendilhados nos passeios por onde passo. Sem pressa, sem rumo, a degustar o primeiro travo do dia. No meu porta-corações trago a música das palavras dos poetas com que aprendo os sinais ocultos do viver-se e essa imensa casa portátil que são todos quantos gosto."

(c) Filipe M. | texto & fotografia (2014) 

terça-feira, 7 de abril de 2015

Talvez

Ficara (sentia-se) diferente. Sem o sentido preciso dessa mudança. Nem timorato, nem afoito, nem o meio termo entre uma coisa e outra. Uma nuance, uma velatura caindo delicada por sobre os dias e estes por sobre mais dias. Ainda assim, inominado esse devir. Um tempo longo, alongado como um felino se alonga no desengano da preguiça. Um tempo chão. Ou tempo breve, ou um não-tempo. O tempo apeado de si. Todo e nenhum. Sono e vigília. O que é o meio do meio? O eixo tombado, e tudo de viés, dias oblíquos. Dias possíveis. Estava diferente: A derramar-se, talvez a evaporar-se... Talvez...

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2014) 

segunda-feira, 6 de abril de 2015

a(mar)

Em ti o que é o Amor? É quando me dou a ti em destroços e me devolves ao mar em cada sucessiva manhã como se barco novo fosse. 
E em ti, amas-me? Há um único porto cujo carpinteiro conserta salvados e os revive. O mar sabe-o e nas marés dos seus braços a ele me conduz!
Só a terra sabe o mar. 
Só a terra sabe a mar.

(c) Filipe M. | texto (2013)

domingo, 5 de abril de 2015

Visita

Quando me visitas há janelas que se fecham ao vento e apenas depois, tão depois, sei que de lado a lado, de cima a baixo, há traços a lâmina desenhados do ir e vir das tuas mãos obliterando o meu corpo para que não mais o mesmo. Talvez um outro, outonalmente cansado, que não este: o desse exultante verão, como se dissesse branco, como se dissesse braços sugerindo um outro céu.

(c) Filipe M. | texto & fotografia (2014; 2015)

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Impretérito

Nunca o Amor será pretérito mais que perfeito. É-o, creio, quando olhos bons abraçam o nosso lado mau e o trazem para a luz boa que nos aceita inteiros e falhos, como é suposto. Se há porventura sol nos céus será cópia desenhada daquele que expedimos quando nos perdoamos, quando nos damos, quando amamos, quando sonhamos a arte do possível, quando nos sujamos de vida e dizemos que a mácula é a mais Bela das palavras. Sem de nada me arrepender, arrependo-me às vezes de não me ter percebido, de não te ter entendido, de não vos ter ouvido. E no entanto, desdigo tudo isto! Caramba: estou vivo e feliz, talvez por tudo isso. De assim ser em vós e, melhor ainda, quando vocês são em mim: braços que dão mãos, mãos que dão flor, flor que se abre em amor. (2013)

(c) Filipe M. | texto.