sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Bang, bang!!!

Bang, Bang!!!


(I)

A bala na linha de saída: palavra assestada ao alvo;

Projéctil mortal, ponto fatal.

Bangbang! Corpo ao solo.

 

(II)

Saber-metalvez por instinto, acometido duma morte exangue; sem autor material.

Toda ela escorrendo por dentro, desaguando na periferia dum outro lugar onde só escuridão. O cérebro, com inteireza de sentidosrememorando vagarosamente o momento imediatamente antecedente: aquela boca (estou certo dissotua bocanuma tensão calada, represar o que haveria de sair!

Um sorriso; melhor, um esgar de cão na intenção do bote. O olhar, toldado, na predição exacta do inevitável e daquela boca [gargantalíngua; lábiossalivasurgir como uma bala cuspida a palavra de há muito esperada: acabou. Finito.

O coração perfurado de lado a lado. Merda!

 

(III)

Sem corpo, desapossado de mim e de ti e, sequer, por sorte, um par de óculos escuros: vestem  quem vê e é visto!

O mundo como nunca o vira antes, porventura demasiado real:

Outrora… outrora… outrora…

O pano desce no seu prumo vertical: FIM.


31.Julho.06

[24.Fev.08]


(c) Filipe M. | Fotografia: Lisboa, 2014.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Um lugar

O darmos-nos à morte para que se viva. Que venha então o banquete. Que por uma vez se abatam sobre a rês todas as bocas famintas. Devorar na vez de amar; chacinar o que não sabem (nem saberão) construir. Que impantes exibam a presa nas suas bocas. Do que ficar, farei consecutivas manhãs. Sucessivos resgates, sucessivos lugares. Que se faça inteiramente noite e que todas as sombras saiam do redil da luz imerecida e se abocanhem inclementes e que no delírio da festa ardam como fogo-fátuo. Do que ficar lobrigarei outras manhãs, outros lugares. Sem detença o façam. Façam-no por fazer, façam-nos agora, façam-no por fim, façam-no até ao fim, alheios a quaisquer razões porque não as há; nunca as houve. Por vezes, sabes, era apenas isso que pedia - não um sortilégio - apenas o lugar frondoso da banalidade. O abrir-se a planície como um campo pacificador. E o olhar estender-se sem culpa por sobre todas as coisas. O não haver nomes. Sabes, por vezes, represam coisas que pela sua natureza própria são de fluir: pois não pede o rio o seu mar e os lábios e as mãos e os olhos seus pares. Pois bem, aguardarei que a saciedade faça seu caminho, aquele que entorpece e adormece e sairei. E mesmo que se ergam relevos verei planícies e mesmo que se reergam relevos e ardis divisarei planícies e se à espada responderem parede tomá-la-ei com as próprias mãos e morrerei para que viva. Há-de haver um lugar. E desse lugar verei nascer o dia. Um dia que se estenda, assim como a toalha que cobre a mesa, na planura e sem fome nem sede nem amargura tomar-te-ei em minhas mãos, assim como o gral convoca todos os começos.
Filipe M. 
[2013]

(c) Filipe M. | Fotografia: Lisbon V.U., 2015. 



À chuva

Ficaram as flores da chuva
Ficaram as mãos à chuva 
Ficaram os olhos de mãos dadas
E das mãos as árvores e dos pássaros de seus ramos cantos doutros lugares
Ou os teus olhos
Ou os teus olhos voantes
Ou os teus olhos dizentes
Ou rosas de chuva
Ou o depois da chuva:
um roseiral à beira-sol. 
Filipe M. 

(c) Filipe M. | fotografia: Lisbon Village Underground, 2015. 

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Anúncio

De quantos fios se faz um fim-condutor? 
Entre um princípio e um fim ocorre-me uma ponte: duas margens dizendo o rio. 
Quantos fins comporta um fim? Ocorre-me uma árvore, e seu tronco, e seus ramos e destes outros ainda e outros mais ainda saindo de outros até à bainha do céu. 
Não creio que os haja: fins e seus começos.
Dizemo-los porque as palavras pedem as coisas que as criam para que sejam dizíveis. 
Da mesma sorte as cartas pedem para ser escritas para que sejam lidas, relidas e esquecidas. 
Assim a tristeza: em tonalidades; tantas quantas as inclinações da luz. E somos isso: relógios de sol cujas sombras se expandem e retraem na sua órbita. 
Quantos começos confinam um fim? Ocorre-me um bater de asas, do ir ao vir: lonjura e regresso. 
Fio-de-terra: para que entre a terra e o céu possamos Ser. 
E na península do mais extremo dos ramos um botão no anúncio da flor.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015).

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Os muros das paredes

Levantei o peso das portas, 
Abri janelas há muito fechadas, 
Derrubei os muros das paredes 
Fiz dos tectos céus abertos 
Nos chãos logrei as enxadas 
E descobri-me na vasta assoalhada. 
Se vim despedir-me? Não! 
Vim dizer do amor.
Como um rumor, 
Como uma enseada,
Onde aguardo a chegada.


(c) Filipe M. | texto e fotografia: Funchal, (2014). 
 

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Paradoxo

"Das águas e do seu curso só fica o que importa. São a lima doce dos dias que, afastando-te, te trazem. Inteiro. Inteiro pelo crivo da luz. O andor do tempo que nos passeia entre princípios e fins. E por fim um seixo redondo por sobre o tapete da praia e pelo sortilégio da luz o teu reflexo em mim. Transparentemente líquidos: eu e o eu para ti. Ou o eu de ti. O de mim em ti. Serenos todos estes. Paradoxo: por fim o Amor ou o que fica quando tudo passa. O que passa fica; o mudarmos nós. O queremos ser o que não fomos, o queremos deixar de ser a razão deste presente futuro." Filipe M. 

(c) Filipe M. | Fotografia: Funchal, 2014. 

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Infame

da espera nunca o esperado,
dos olhos jamais a coisa olhada, 
das mãos hipotéticos sonhos, 
na vez do corpo, infames, em nós, tantos outros 
por sabermos que é de amor que se veste o que despimos
talvez me tenhas dito "já falta pouco" e, pouco a pouco, o ocaso arrebol ou a enunciação duma falta...

(c) Filipe M. | Texto e fotografia /Funchal, (2014).