quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Quiçá!

A partir dum dado momento compreende-se; compreender é entrar no compreendido e vermo-nos a partir daí: o onde peixes saem da água e as aves lhes tomam o lugar porque os territórios se tornam intolerantes às paredes. A terra aspira ao céu; sempre assim foi; sempre assim será. Não por ser verdade; não forçosamente por ser verdade. Mas por ser um desejo, quiçá mais forte do que qualquer verdade, de abrir mão de tectos, de chãos, de portas, de janelas, de paredes e de telhados e vivermos o aberto porque edificámos casas (me)moráveis dentro de nós. Mas deixemos as varandas: são os palcos das ruas do mundo.






terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Doce-lima

Doce-lima 
Nasces do
Pé p'ra mão 
Teu aroma é
infusão que 
Adentra meu 
Frio coração
Que pela tua 
Boca de loiça 
Me beija e de 
Tão feliz logo 
Se m'aquenta. 


Filipe M. | texto e fotografia (2015)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Dentro

Sim: o amor. Substância de irradiação própria. Extrínseca. Reverbera sobre a pele, um laranjal, a pluma do ar, o sal do mar; a nua planície, toda ela lunar; toda ela boca vaginal da sede dessa água, desse curso de humores. Bem sabemos que não é luz própria que se acende, contudo acendemos um espelho aberto nascendo aos olhos um do outro e há o braile gramatical dos corpos onde as mãos desenham por fora tudo o que de inefável trazemos nos nossos dentros.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O prodigioso verbo

A tristeza precisa do dentro para encontrar a cama onde se expandir no húmus da terra para onde vamos e daí gatinhar e erguer-se em flor seminal; a alegria precisa do fora para encontrar o ar aberto de todas as possibilidades de sermos aquela prometida flor cujas asas lhe dão prumo e na altura certa da estação que formos tomar as suas tantas diversas feições: aladas criaturas de mar, de terra, de ar e de amar - prodigioso verbo que te traz inteiro donde quer que vás. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Sempre que fui noite disse o outro dia. 
Quando pude o dia a noite adormecia. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

Cronos

Nem pretérito
Nem presente 
Nem futuro 
Gerúndio.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)


domingo, 20 de dezembro de 2015

Um desejo

Se beijo fosse desejo que voasse 
Era em teus lábios que iria poisar. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

sábado, 19 de dezembro de 2015

O casaco

Um dia vi um adulto por dentro 
Todo ele miúdos encavalitados 
Escondidos no comprido dum 
Casaco que se traz vestido na 
Aparência destemida das ruas.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Esse Homem

O frio cinzela a silhueta do homem. Podias ser tu; não que ande a avistar-te nas desoras das ruas que me passeiam daqui para ali, cesura de vida, no jogo do amanho à estiva dos dias que visto e que me despem assim queiram. Há uma cantiga antiga que se repete e que faz seu ninho no telhado da memória e que te traz (de) novo até mim; eu que ando a dobrar-te os passos. Somos quase sempre as mesmas pessoas ainda que façamos incursões aos nossos lugares mais longínquos. Mas depois..., depois regressamos a casa do fim de semana de nós julgados outros revigorados. Sim, podes sentar-te aqui comigo porque não vou a lugar nenhum além de mim. Nós somos sempre um lugar a que recorremos para não nos esquecermos porque viemos de tão longe: é preciso um perto. O mesmo lugar onde nos deixámos quando fomos. Eu sei, o Natal dói e o menino Jesus tem frio; é inverno aqui nesta Judeia de dezembros ocidentais. Sim, fuma à vontade! Nada é mais letal que viver a longo prazo e bem sabes que os livros pedem por igual medida olhos que os leiam e mãos incandescentes que os folheiem, como se ler fosse alto lugar onde se queima papel. A mesma cantiga em surdina a cantar-me "Wake Up Dead Man", a morder a sobriedade da dor enxuta, moderna e vivaz na ostentação do desprezo do luto que não fica bem de gel. Sou forte, sou a minha própria invenção! Sou urbano, sou mundano; sou moderno (falho de antiguidade) eu tenho um colete à prova de bala! De lado a lado perfurado. Balada tão só. Fiz anos mas não sei o que eles fizeram de mim? Estou aqui e tu aí. Na partitura, no sopro da melodia e seguro com alfinetes de dama o dia que cai e o frio desenha na ardósia do ar os brancos da respiração. E cada vez que me digo, relapso, que não há ilusões, no contra-campo crio uma outra ainda maior. Canto porque só me resta a sentinela do medo que tem no frio a última fronteira do real. Sabes, o calor trago-o como um frio desconhecido desde esse dia de verão em que te fomos enterrar. É quase Natal, é quase um ano novo, é quase eu tal como fora. É quase o amor inteiro e não um cigarro de cinza na borda do cinzeiro deste lugar que inventei.  

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)






terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Por fim a chuva

No ar uma saturação de felicidade; aquele exacto momento em que o olhar nos diz que a boca reencontrará o caminho do beijo. Na hora feliz, estou certo, começará a chover. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

domingo, 13 de dezembro de 2015

Lucidamente

A lucidez não é achar que possa estar certo; é metodicamente achar que posso estar errado. 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

sábado, 12 de dezembro de 2015

Asar

Estas asas 
Que trago 
Sonhadas
Expandem
Tudo aquilo 
Que já não 
Cabe por 
Maior de
Infinitos 
Em mim. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Tu

Pra lá de mim 
Do que agora 
Sou vejo Belo
Em tudo de ti. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Mas...

Sei hoje o que é um jardim: 
O que floresce em torno do que perdemos. 
Não devolve, mas devolve-nos; 
Não restitui, mas restitui-nos.
Não é o lugar que onde foste ,
Mas é o lugar onde te sou.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

Ave Maria (Maria Bethânia)

Ave Maria
Nos seus andores
Rogai por nós
Os pecadores
Abençoai estas terras morenas,
Seus rios, seus campos
E as noites serenas
Abençoai as cascatas
E as borboletas que enfeitam as matas

Ave Maria
Cremos em vós
Virgem Maria rogai por nós
Ouve as preces murmúrios de luz
Que aos céus ascendem
E o vento conduz
Conduz a vós
Virgem Maria
Rogai por nós

[Vicente Paiva: Jaime Redondo]


(c) Filipe M. | fotografia (2015)



Alto trato

Nunca me tinhas morrido antes 
Nunca nasceras depois de mim
É negócio teu com Deus de que 
Não fui parte mas se partes digo 
Que o faças sorrindo os dias que 
Por cá andaste pois que serão os 
Suficientes para que os revivamos 
No tempo precisado para da nossa
Própria vida fazer-se grado distrato.


(c) Filipe M. | fotografia e texto (2015)



quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Aniversário (II)

Duarte (Nuno) não sei responder às tuas palavras de hoje que me vestirão para sempre nas piores invernias, por isso dedico-te a carta que vou agora enviar ao Hélder.

"Meu pai, estou feliz porque sei que estás feliz porque o teu Pipo (não te zangues: agora quem me gosta pode chamar-me assim porque são vozes da tua voz primaz) faz anos; completa-os. São 46 que terminam! 47°, bem-vindo (tem 7, soa bem!) E gosto, fico mais perto de amar melhor, de me perdoar e de compreender melhor os outros. Pai há tanta gente a gostar de mim; eu sabia que sim: não tinha percebido era que eram tantas e tanto o seu gostar. Estava zangado quando disse que não tinha sonhos; tenho. Todos realizáveis. Porque todos pequenos de enormes que são. É por isso que as sombras são o voo da matéria: um corpo servido por asas. Chorei hoje no rio onde moras e depois percebi que rio é também um modo de rir e por isso ri e sorri. Estas pessoas de quem gostas porque me gostam disseram-me coisas lindas e vestiram o dia que temi incolor com cores que o arco-íris apenas começa. Com a idade vamos precisando de menos coisas e chegam a mim os aromas das suas essências. Da materialidade necessária à condição feliz se se viver chegam-me ecos tranquilos do horizonte de imaterialidade duma mala (com o estritamente necessário) que faço grato. Ensinaste-me que as pessoas que nos querem bem são janelas que se abrem por fora. Hoje emprestaram-me uma mansão para que as janelas fossem muitas; não para me fazerem esquecer duma tristeza que trago numa humanidade que vivo inteira mas para que a vivessem comigo. E sabes, era como se cada telefonema, cada mensagem, cada gesto, cada presença (e a tua: tão antes, tão durante, tão depois e tão depois do depois) me alijassem o peso. E estou leve e por isso pude subir ao céu para te beijar e mergulhei ao mar para te abraçar. Minha mãe: os teus olhos e os teus braços fazem par com o par dos dele. Não na vez dele mas com e por ele. Nuno, mano, sobrinha e Patita proas deste meu barco. Aos que me amam a minha gratidão pelo amor que me dão e, se possível, mais ainda, por me ensinarem a ser um mundo inacabado para que este se abra aos mundos dos mundos. Hoje sei que o grande desafio que se me coloca é o de saber receber, mais do que saber dar (Helas!) Não para me tornar vaidoso, mas para destruir, espero, a subtil arrogância de querer ser transparente. Vocês todos são os meus óculos 3D, avatares da poesia do real. Bjos & abraços para todos vós e sejam felizes de felicidade real. Pai vou-te dando notícias minhas e de todos. 
Beijinho
Pipo 
8 de Dezembro de 2015 ❤️"

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

Aniversário

Somos longe 
Mais eu de ti 
Que tu de mim 
Tens-me assim 
Tu que me vês 
Por inteiro daí 
Eu adivinho 
Invento um 
Lugar para ti 
Aqui onde 
Te guardo 
E aguardo
Dentro no 
Inacabado
Perto do 
Abraço 
Dado. 
[Pipo] 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

Equívocos

Desdizendo a sombra 
Não aclaro a pluma da luz 
Negando o baixo
Não princípio o alto 
Ocultando o assombro 
Não amanheço o sonho 
Se não disser 'podes partir'
Nunca o amor irá chegar
Se antes não souber 
Não poderei aprender 
Se não acreditar 
Nunca com meus 
Próprios braços ser
O belo de voar acima de 
Mim para te encontrar


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

Diário de bordo

Ontem e hoje foram dias felizes. Chegar a casa e ter-te lá. Falámos, olhámo-nos no silêncio duma saudade ora rida, ora chorada. Partilhámos o mesmo homem e o que somos para além dele, com ele e por ele: o companheiro e o pai. Falámos doutro amor partilhado: um filho, esse mesmo que me é irmão. Fomos serenos e as mãos casaram no agasalho dum Dezembro novo em que procuramos sentidos novos para as coisas dos dezembros antigos. Fui filho e, por vezes, menino. Hoje és a menina que há muito não eras e por isso dissemos as ruas noutro passo. O que se ampara na noção da fragilidade mágica de cada gesto, de cada palavra, de cada memória acarinhada onde se sacia, como se pode, uma memória que nos futura num tempo já breve. É bom fazeres-me casa como dantes fazias bolos. A doçura tem os mais diversos açúcares para a temperança que traz a ternura. À noite servi-te um chá quente de amor e nos teus olhos bebi toda a minha sede de ser, seja o que for.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

Filiação

Que lugar é este? 
Quem sou este lugar? 
Que ficou do que havia? 
Pouco importa; a resposta
É sempre filha da pergunta. 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Beija-flor

Sempre que cair uma lágrima por ti 
Nascerá algures uma flor num jardim.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

Breviário

Já não estás, mas estiveste. 
(Tanto tempo nesse instante)
Nada foi como dantes mas há 
Sombras de luz pelos recantos
Da casa que trouxeste; aquela 
Que deixaste para que nela me
Demorasse o tempo que quisesse. 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

domingo, 6 de dezembro de 2015

Para onde o mar?

Era a maré alta 
À gola da água 
Onda do corpo 
Todo seu caber
Sou maré vaza 
Ao rés da água 
Corpo afogado 
No chão secado
[Para onde ido o mar?]
Sou eu que não me vejo 
Era já por mim adentro 
Toda essa água entrada; 
Sou um tanque cheio de 
Sereno contentamento.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Alvo

A boca abre a sua inteira noite 
Derrama derruba crude cru as 
Aves sem aviso ensaiam voos 
Condenados e cantam cantos 
Desalentados e pesadas asas
Pesam o peso da esperança e 
Adejam lutuosas, lustrosas no
Indevido chão e corro branco 
A sua bela dança final e beijo 
Branco o preto manto do mar.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Um tudo-nada

O nada é uma imensidão impante
Onde não cabe coisa nenhuma;
Prefiro a península do tudo, onde 
Cabem o todo, a parte e a vontade.


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)