segunda-feira, 29 de junho de 2015

Reverso

Banal é ganho
Banalizado o traído 
Nascer é dado 
Viver pó levantado
Palavra é chave
Gesto tem gerúndio
Paixão finda 
Amor por todo o lado 
Obrigado é educação 
Prazer redenção 
Parede é o fim 
Espada gume à liberdade 
Silêncio o sorvo do mundo 
Solidão murro no muro 
Nome é pai e mãe 
Apelido o ser-lhes aquém 
Passado é um pé
Presente o segundo 
Futuro os dois por junto
Tristeza é garrafa
Alegria é brinde
Mão é taça 
Boca é vinho 
Com esta te beijo 
Porque beijo é caminho.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)





domingo, 28 de junho de 2015

Os Jardins

O mor dos 'jardins' que fruímos não nasceram do nada. São fruto de quem os plantou com sacrifícios e lutas duma heroicidade anónima que o tempo desbotou ou relegou e cuja dimensão nenhuma narrativa ou fotografia (real ou simbólica) capta, ou captará, na sua inteireza. 
E se por um lado essa fruição sem a noção da intrínseca historicidade das coisas (tomadas por adquiridas) é o sinal elogioso de que essa sementeira vingou, por outro, incorremos no perigo de não percebermos, em zelo, a sua absoluta fragilidade e o quanto se erguem silenciosamente sebes carnívoras. As 'flores' desses 'jardins' não são para colher; são para contemplar para que os digamos, vivos e frondosos, aos vindouros; não como possibilidades ou relíquias desaparecidas, mas como um efectivo e sempriterno recordatório da nossa precária contingência humana e que nessa premissa os reguemos e podemos movidos pela gratidão devida quer a esses excelsos 'jardineiros', quer ao bem-querer dos filhos que soubermos gerar e criar; não como "Flores do Mal," mas como fautores de dias novos e que sejam eles retrovisores do respeito e memória devidas aos que souberam viver (inconformados) os dias velhos. 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)



sábado, 27 de junho de 2015

O arco-íris

Não optei; Sou. 
Não tenho orgulho no que Sou. 
Tenho orgulho por viver o que Sou. Tenho pais, irmão e sobrinha de que me orgulho e que me tratam pelo nome (em família Filipe ou Pipo), a maior conquista de todas. Amam-me por quem Sou e não pelo que Sou. Tenho o amor dos meus amigos e encontrei nos namorados que tive o privilégio de me terem ensinado o amor, a ternura e a ventura do prazer (de viver). Não me arrependo de nada. Errei para crescer. Não faço de quem Sou uma fisga e do que Sou uma pedra que arremesso a quem escolheu não me amar. Sigo o meu caminho. Tranquilo e intranquilo, como todos. 
Somos o nosso nome; o que faço do meu é a bandeira que ergo. 
Chegam ecos duma primavera esperada do outro lado do mar. Saibamos ser felizes e sóbrios neste momento jubiloso. As cores do arco-íris trago-as há muito na alma quando, tem anos, apresentei o meu namorado aos meus pais e ao meu irmão e sobrinha, mana, Nuno e amigos e o trataram pelo nome e o fizeram da família. Sou um felizardo e privilegiado por ter gente que me deixa ser transparente e que me dão um nome: o meu. 

(PS: nestes dias sou um pouco norte-americano, em cores suaves, as da tranquilidade da minha verdade)

(c) Pipo | texto e fotografia (2015)

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Alto

Estado líquido de te nadar 
Estado líquido de te amar 
E beber o teu mar e alto 
Ser para te poder ver e 
Da noite amanhecer.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)








quinta-feira, 25 de junho de 2015

A Mesa

A última palavra
Infecundo verbo 
O mundo secou
E ninguém dentro 
Que a diga e oiça
O arco aberto 
D'alva cantaria 
A pedra de fecho 
Sustenta
Cuja mão muda desfez 
Por ninguém capaz 
De assomar o dia 
À sua alta mesa 
Sua elegia canta
A palavra anunciada 
Sempiterna adiada 
sobreviva no breu
E como tudo o
Que insepulto viveu
Em lado nenhum morreu. 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2013; 2014)






terça-feira, 23 de junho de 2015

Contracurva

Ligeiramente vivo
Vagamente morto
Entreposto 
Entre este ponto 
E o outro
Cardeal
Porque
Desnorte 
Também é 
Caminho.
Desacerto 
É dizer 
Que a 
Curva 
É a direito 
Quando 
É nos teus 
Braços 
Que me
Perco 
E no seu 
Aperto 
Desaperto
O nó 
Que me 
Vai cá dentro.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)






segunda-feira, 22 de junho de 2015

Fruição

Não tenho pressa de nada; 
Tenho todo o tempo 
Que me resta.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2014; 2015)

Molde

A gratidão
É a minha 
Forma 
Feliz de 
Ser triste.

Filipe M. | texto e fotografia (2013)

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Nós

Claridade? O por detrás da tristeza: a primazia da chuva sobre o dia. Ficar naquele estupor, naquela página do livro, naquele primeiro som do silêncio ao fundo da casa em nós. Na boca o rumor do que não se consente falar. O frio subindo no corpo o fim da estação. 
E as mãos são folhas que aparentam gestos antigos; mãos que caem, que se estilhaçam no chão, como taças morrendo a cumprir o brinde. E há a saudade duma certa possibilidade, duma certa capacidade de entrever, para lá da poalha, o sentido festivo nos dias.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2004; 2015)

Promitente

O mundo por toda a parte 
Por tantas ruas derramado 
Tem arrimo o desalento
No sonho prometido
Assim haja ventura
E pano desfraldado
Para que siga viagem este barco
De muitas ruas por junto resulta
Esta maré de casas alvas-chãs
Onda boa gente mora 
O seu próprio rio 
Corre em sorte 
Afluente numa
Divergente noutra
Porém desaguando toda
Na voz do dia que se levanta
E todas as portas abrindo-se
E todas as janelas sorrindo 
A corrente a florir os caminhos.
O momento é agora 
Vem sem demora 
É o amor que te chama 
Pelo lado de fora.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)









quarta-feira, 17 de junho de 2015

Os dias

Há uma nudez própria no vestir, 
Como se nos disséssemos.
Duas vezes. 
O sermos contáveis: 
Uns (a)diante dos outros. 
O que dizemos e calamos,
Faces da moeda de troca: 
ocultando proferindo, 
revelando omitindo. 
E vamos a terreiro na busca de relevância: como fazer os dias? 
Para quem e quem somos? 
Se me disseres sol:
dir-te-ei pele; 
Se me disseres vento;
dir-te-ei galope; 
Se me disseres, 
Dir-te-ei.


terça-feira, 16 de junho de 2015

Voo picado

No 'depois' é-se anfíbio e tudo é uma realidade líquida e difusa e o mundo é o rumor da superfície. Quando este adormece assomo à noite e plano a imensidão horizontal. Ao giz inicial da claridade mergulho vertical a matéria prima do mar, traço inicial. 



segunda-feira, 15 de junho de 2015

Os dias

Não é que os dias não sejam dias na mesma. São-no. E, contudo, duma sorte que não sei explicar, muito menos para mim mesmo, parecem cópias perfeitas de dias e, assim sendo, ou assim me parecendo, o não são, ao fim ao cabo. Roupa emprestada - é essa a sensação; aproximada e imprecisa noção. Amanhece e anoitece; amanheço e anoiteço na sua baínha, assim como a sombra caminha a par da matéria e no favor da luz. Nem alegre, nem triste. Muito menos ausente, pois que seria estar, duplicado, num outro lugar; e não estou. Alhures quanto nenhures. Por vezes, há recessos onde o mar nos entra adentro e nos acolhe e nos chama para uma breve noção de pertença e depois, na maré vazante, nos restitui ao antes, a um sempre eterno agora. Aprendo que há lugares intermédios; aprendo o afago guloso do silêncio que nos chama para si. E no silêncio estendemos-nos, como um corpo que encontra repouso na mesma cama daquela manhã ou duma outra imprecisa manhã. Nem sono, nem vigília. E no silêncio vão cabendo todas as palavras e também as vozes que se deram a ouvir, e todos os gestos voantes ora regressados ao ninho inicial. E cabemos nós, deixando o tamanho antes de o entrarmos. E se o silêncio contém a luz e assim esta no que tem de escuro, também nós nos contemos. Por vezes atemo-nos, por vezes contamo-nos. Por vezes, nem uma coisa, nem outra. E a lonjura é um lugar - pouco importa se perdido ou desejado; pouco importa se é pretérito mais do que perfeito ou imperfeito ou futuro ou uma corda, que é viagem ou regresso. A lonjura é o silêncio da distância e nenhuma delas é nossa. A ser, sê-lo-iam ao contrário! Mas se "um galo risca o silêncio e já é manhã", então, de propósito ou por lapso intencional, a porta (que é sempre um janela para os pés dos olhos) está entreaberta e vou sair... Nem daqui, nem para aí. Sair: a única forma que conheço de voltar... 


domingo, 14 de junho de 2015

Por ti

Possas tu
Parti (por ti)
Quisesses tu salvar-me [de mim]
Vem abaixo da pele e abre portas para que possa sair [de mim]
Acende a manhã porque se fez noite [em mim]
Vem buscar-me porque fiquei aqui 
Neste lugar de ontem.
Dá-me um céu para onde olhar e sair possam do mesmo chão estes pés feitos para outro caminhar
Dá-me a mão, como o farias a um cego, e dar-te-ei eu a minha e seus rios de amar
Dá-me o teu silêncio e serei (nas) palavras inauditas 
Diz-me como regressar-me e (para) quem sou. Reparo que vivo. Mas, sabes, é por fora que vivo. Quando regresso em noite e quando me deito há casa e cama mas não me sei, nem para onde;
Percorro a noite até a cansar, para que por fim me deixe dormir e volto a ti, como um evidência, como o lugar que fui. 
Naturalmente haverá uma manhã e serei amanhã sem amanhecer e imitarei o dia até ao fecho do seu arco. 
À saída da barra, donde a viagem, e os olhos longos e os cabelos, teus, na moldura do rosto, revoltos como as aves do séquito, vi-te, assim, inteiramente tu, e soube da alvorada e fui, ali, naquele preciso momento, feliz; como antes, como, talvez, depois.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2013/15)

Azul

Há uma altura em que, por esperança ou ingenuidade, achamos ter fintado a onda; perdemo-la de vista e logramos ultrapassado o que é apenas a sua própria pausa. É nesse preciso instante que aquela desaba no seu fio de espada e nos entrega ao abraço fundo do seu líquido frio azul.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)


Fecho

Não questionei o beco
Aceitei a rua 
Percorri as avenidas
E o medo de ser feliz e triste
Quando do Amar a vogal primeira  
Desistiu dolente no mar
Respondo que perdi o medo 
Nem que seja por um triz, perdi!
E mesmo que o mar me afaste 
Nadarei o revés da praia-amar.
E está certo que o faça 
Porque é vida a vogal que, 
Tudo abrindo,
Tudo fecha.

(c) Filipe M. | fotografia e texto (2014)

sábado, 13 de junho de 2015

A dança

E quando me visitas há janelas que se fecham ao vento e apenas depois, tão depois, sei que de lado a lado de cima a baixo há traços a lâmina desenhados do ir e vir das tuas mãos obliterando o meu corpo para que não mais o mesmo. Talvez um outro, outonalmente cansado, que não este: o desse exultante verão como se dissesse branco como se dissesse braços sugerindo um outro céu. 

Filipe M. | texto e fotografia (2014)
 

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Do tempo

Quantos 
  dias 
    têm 
      estes 
        anos? 
          Digo: 
            O de ontem 
              E o de hoje
                E o de amanhã? 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2013)


                

quinta-feira, 11 de junho de 2015

quarta-feira, 10 de junho de 2015

O Logro

Vivemos como se fossemos imortais, daí a mortalidade (diga-se: irrelevância) de palavras e de gestos; se vivêssemos a plenitude da nossa mortalidade seríamos imortais nas palavras e nos gestos. Hoje vivemos por objectivos (fins, em si); viveríamos melhor se o fizéssemos segundo princípios. E só lamentamos a morte porque vivemos impantes o logro do nosso demente jogo de pensarmos e agirmos como pequenos-deuses caprichosos, gananciosos, arrogantes e gulosos o escasso tempo que nos é emprestado e não dado. 
Esse é o grande equívoco! 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)



segunda-feira, 8 de junho de 2015

(III)

Porque escalámos 
Todas as palavras 
Ganhámos o Silêncio 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

Instante

Não percebi no imediato: algo de intrinsecamente Belo tocara-me e, de alguma forma, fui parte. Como um sopro, passou por mim sem detença. Só depois logrei ter sido a asa d'um Anjo.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)

domingo, 7 de junho de 2015

Limão

Se pudesse, estendia a manhã na corda da roupa. O cheiro a alvura-limão das peças ondulantes sob a batuta do vento brando. Do lado de dentro da janela, no aconchego da casa, passeio memórias: breves. Chegam como visitas só de passagem, deixando no ar aromas femininos. As memórias são gatos; lugares de casas sem dono. Vêm ao colo e partem logo. São delas mesmas. E há um travo agridoce de tristeza e de alegria. Acendo o cigarro que arde rubro nos dedos e imagino afagos e destinos na planura da tua pele onde e donde, como pista doutros voos, chegavam e partiam estas mãos que, dum certo modo, já foram minhas. 
Todavia, há uma janela 
E defronte a cidade. 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2014; 2015)

Parto

Há um rio por dentro 
Que nos chama 
Desde a nascente. 
Reclamar-nos-á na foz

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2014)

(II)

Se me disseres sol 
Dir-te-ei: pele; 
Se me disseres vento, 
Dir-te-ei: galope; 
Se me me disseres
Dir-te-ei.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2014)

sábado, 6 de junho de 2015

Retrato

E quando a chuva parou o sol reincidiu sobre a matéria e abriram-se os aromas da terra, das madeiras do casario e do redor de árvores e flores e voltámos às ruas. Assim te amo; assim te retrato; assim me chegas. O teu nome? Sim sei-o (para mim): 'e quando a chuva parou o sol reincidiu...'

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)



quinta-feira, 4 de junho de 2015

Os (a)braços da alegria

Às primeiras horas da manhã de hoje a luz era dum tímido azul com resquícios de noite e o frio continha com precisão os traços da praça. Os pássaros pontuavam a calçada e um ou outro ensaiava um breve voo. Os candeeiros acesos diziam ainda do ontem que alumiaram e naquele café caras que fui fixando e as suas mãos procuravam calor no fundo dos bolsos. Gente de cabelos encanecidos e rasgos duma outra cidade. Um velho vadio transportava pertences como se duma casa habitada ao relento se tratasse - figura esguia, de vertical dignidade. Há um rumor de trânsito mais adiante e inoportuno nesta pequena cidade de prédios débeis. Foram breves instantes; foram-me belos e trouxe-os comigo e tenho-os rememorado: a luz inaugural e pé ante pé saí. Nada é nosso e talvez por isso aceitei, grato, o empréstimo e lembrei-me dum verso que dizia: "inventei um sol para dar luz a este dia, acordei nos braços da alegria" e é verdade...

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2014)

quarta-feira, 3 de junho de 2015

À varanda dos Olhos

E no rosto um sorriso esquecido. Ninguém o viera reclamar. Contradizendo o olhar, foi ficando. Isso: às vezes há barcos represos nos baixios da praia-mar com as suas madeiras desbotadas e bainhas de limos como o rímel na varanda dos olhos e as suas proas decaídas em areais sem gente. 
Assim tão perto do mar e, 
No entanto tão por terra. 
E assim aquele sorrir, 
tão perto dos olhos e, 
No entanto... 
Por enquanto. 
Por encanto...

(c) Filipe M. | Texto e fotografia (2014)

terça-feira, 2 de junho de 2015

Amanhã?

Hoje a casa; irei sozinho. 
Hoje a cama; levanto-me. 
Hoje calo; narro eu.
Hoje a vaza; nado eu. 
Hoje ontem; amanhã eu.
Hoje baixo; eu e o céu da chuva. 
Hoje sem ti; eu por mim. 
Hoje jejum; amanheceu um jardim.
Hoje finjo; amanhã num palco. 
Hoje morri; só eu vivi. 
Hoje porventura; eu e um outro dia 
Hoje pedi; e manhã sem ti. 
Hoje dou-te a luz; a noite é o fim. 
Hoje dos olhos; nasci. 
Hoje a rumar; fiz da rua o mar.
Hoje sonhar; triste no acordar
Hoje teu 
Hoje ateu
Hoje adeus 
Hoje escureceu 
Hoje apenas eu 

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)