sábado, 16 de maio de 2015

Matilha

Corro p’la ruas desertas no limite das forças. No encalço, como a onda inexorável devorando a língua de areia, a matilha açulada. Sei que vou cair; inevitavelmente cairei. Exsudo um cheiro ácido (a medo) que a atiça mais e mais. Um primeiro abocanhar: caio. Depois o festim rápido e tudo tingido-se dum vermelho pastoso que, sem surpresa, sei ser o meu sangue. E o corpo a transformar-se noutra coisa, e uma cortina leve turvando o olhar, retirando-me dali. Já não sou eu quem ali jaz. Sou agora vário e vago na matilha que, saciada, corre por outras ruas da cidade que, horas antes, olhei com um estranho e premonitório sentido derradeiro.

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2002; 2015)

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