sexta-feira, 6 de março de 2015

Primavera

Oculto-me no que revelo
Produzo margens 
Simétricas margens
Margem com margem 
Eu deste lado a ver-me deste lado
Eu deste lado a supor-me o outro 
De lá para cá e de cá para lá 
Como se fosse o mesmo uma e outra coisa, sabendo tão bem que assim não é; 
Vendo-me vendo-me (e só)
O rosto une desiguais
Metades 
O meu rosto é um rio 
Produzo rios quando olho 
Produzo mares quando digo
Produzo os nomes dos lugares 
Entre mim e ti há a vírgula 
Do corpo de permeio 
E nós o meio 
E nós metade 
Sem verdade, nem vontade 
Nós outrora 
e o canto breve e alto das aves 
Nós primavera a pairar e nós um arco de lado a lado para que nos víssemos passar a nado num rio certamente inventado, um de cada vez, uma e outra vez, de lado a lado
Da margem, esta ou daquela, há já tanto tempo que do tempo dessa água se fez sol em nuvens de sonhos condensados 
E produzo chuva 
para que 
de novo 
nesse 
lugar.

(c) Filipe | Texto e Fotografia: Bica (Lisboa), 2013.

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