sábado, 21 de março de 2015

Casa

Pelos poros do silêncio da casa pontuam sons residentes: os estalidos do soalho, o drapejar da roupa que se estende pela corda exterior, o estático dos electrodomésticos e a cadência da respiração de quem ainda dorme a vestir o frio insinuante para lá de paredes e janelas. A cafeteira ao lume acende o dia como um tranquilo ritual de passagem e há o aroma das torradas, do mel e da canela e da maçã que corto pela metade. E há o estar aqui; o gostar de estar aqui; o gostar de estar este momento. De fazer demoradamente estes gestos e este momento. Estou comigo; por casa. Esta casa nova. Uma casa antiga que me faz novo. Creio que inicialmente ter-me-á estranhado. Por vezes, questiono-me se a sua prudência inicial em dar-se(-me) mais não foi que uma avaliação a que, sem o meu conhecimento, estive sujeito. Isto é, o descortinar ela se me predispunha eu a que fosse 'a minha casa' ou, ao invés, fosse 'da casa'. Sou dela; cedo o percebi e percebeu. Desde então, damo-nos como amigos de sempre: cuido dela e ela de mim. Sem posse. Prefiro pertencer! É uma casa de gente (afã de idas e vindas), de afectos que guardam histórias que reconta na vigília do nosso sono. Se a rua é palco, por casa sou camarim. E sou eu muitos e nenhum. Por um tempo, sem o tempo confinante do relógio. E há o olhar que se detém aqui e ali, desprendido e curioso e filho do ócio ameno dos pequenos afazeres. Pequenas viagens do vaguear da mente pelo presente e passados e no giz da ardósia que encima uma das bancadas laterais garatujam-se projectos de futuros breves: o final de manhã, essa mesma tarde que se adiantará pela noite. Sou por casa sou no seu aconchego. Oiço barulhos. Portas de quartos que se abrem e na cozinha já desaguam conversas das vésperas de cada um. Digo 'Bom dia!' e dizem-me 'Bom dia!'. Vai ser! ;)

(c) Filipe M. | texto & fotografia (2015)

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