quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Esse Homem

O frio cinzela a silhueta do homem. Podias ser tu; não que ande a avistar-te nas desoras das ruas que me passeiam daqui para ali, cesura de vida, no jogo do amanho à estiva dos dias que visto e que me despem assim queiram. Há uma cantiga antiga que se repete e que faz seu ninho no telhado da memória e que te traz (de) novo até mim; eu que ando a dobrar-te os passos. Somos quase sempre as mesmas pessoas ainda que façamos incursões aos nossos lugares mais longínquos. Mas depois..., depois regressamos a casa do fim de semana de nós julgados outros revigorados. Sim, podes sentar-te aqui comigo porque não vou a lugar nenhum além de mim. Nós somos sempre um lugar a que recorremos para não nos esquecermos porque viemos de tão longe: é preciso um perto. O mesmo lugar onde nos deixámos quando fomos. Eu sei, o Natal dói e o menino Jesus tem frio; é inverno aqui nesta Judeia de dezembros ocidentais. Sim, fuma à vontade! Nada é mais letal que viver a longo prazo e bem sabes que os livros pedem por igual medida olhos que os leiam e mãos incandescentes que os folheiem, como se ler fosse alto lugar onde se queima papel. A mesma cantiga em surdina a cantar-me "Wake Up Dead Man", a morder a sobriedade da dor enxuta, moderna e vivaz na ostentação do desprezo do luto que não fica bem de gel. Sou forte, sou a minha própria invenção! Sou urbano, sou mundano; sou moderno (falho de antiguidade) eu tenho um colete à prova de bala! De lado a lado perfurado. Balada tão só. Fiz anos mas não sei o que eles fizeram de mim? Estou aqui e tu aí. Na partitura, no sopro da melodia e seguro com alfinetes de dama o dia que cai e o frio desenha na ardósia do ar os brancos da respiração. E cada vez que me digo, relapso, que não há ilusões, no contra-campo crio uma outra ainda maior. Canto porque só me resta a sentinela do medo que tem no frio a última fronteira do real. Sabes, o calor trago-o como um frio desconhecido desde esse dia de verão em que te fomos enterrar. É quase Natal, é quase um ano novo, é quase eu tal como fora. É quase o amor inteiro e não um cigarro de cinza na borda do cinzeiro deste lugar que inventei.  

(c) Filipe M. | texto e fotografia (2015)






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