sábado, 2 de abril de 2016

A continência

Pomos sempre o homem adiante. 
É o suposto; o irmos atrás, fechar 
O que se abre. A criança antecipa
Quem será (estranha lógica o ser)
O homem rememora, adulterando, 
A meninice. E o corpo desses dias 
É exactamente o quê? O permeio? 
São os pés. Sim; a sustentação do 
Corpo. Quando morreu, quando ele 
Morreu e tem morrido desde então 
Combinámos uma troca: que fosse 
Ele para trás e ele já eu para diante
Onde à proa o vento corta e magoa. 
Muda tudo. Emudece tudo, um som
Cavo que nos acompanha sentinela
Que vela e sobre o qual um artifício 
De sermos (in)capazes das palavras 
Charrua porque a não ser assim não 
Há estação possível para frutificar a 
Quem é suposto colocarmos o fruto 
À boca. Mas essa nova fome carece
De alimento por inventar e morrer é 
Água que não se escolhe beber. Ele 
Ali sentado, adiante. E o meu banco
Em lento movimento marítimo e dele 
A mão formando a continência e seu
Vaso de mar no rente olhar a passar. 
Passou e vai passando e repassando
E as cordas desamarradas onde me 
Agarro quando te sinto perder. Cais 
Caos de não voltares e há tanto mar 
Sem água de beber, o tempo há-de
Chegar, onde me sento a desenhar 
O teu rosto em movimento a dizer 
Tudo e nada do teu jeito de amar. 
Pomos sempre a criança adiante. 
É assim que tem que ser e será! 


(c) Filipe M. | texto e fotografia (2016)

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