domingo, 26 de abril de 2015

Primeira vez

Foi no final da rua
Na dobra da esquina 
Que percebi...
Demora a vida atravessar a rua 
Há o passeio 
O asfalto de permeio
Há o passeio 
Voltar ao outro lado a buscar o que ficou desse lado do lado
O asfalto de permeio
Chegar ao outro lado e poisar o que ficou do outro lado
Uma rua e a vida para a atravessar 
Um lado do lado 
O lado do outro lado:
"Um-dó-li-tá
Cara de amendoá
Um segredo colorido
Quem está livre
Livre está"
O asfalto de permeio (a língua do gato é áspera como lixa e dói nos pés o que se lhes fixa) 
Os passeios escorregam-nos das mãos 
Os passeios e as suas calçadas Desenhadas para que os pés as leiam Mas não seguram o andar que tem o olhar
A rua tem começos e fins 
Quatro sentidos:
De lá para cá 
De cá para lá 
Deste lado para o outro
Daquele lado para este
Uma vida rectangular 
A face tem apenas dois lados 
A face magoada 
E a outra face que damos para que nos doa uma segunda vez, 
Consentido desta vez
Consentido por uma vez 
Sem sentido nenhum 
A rua tem quatro faces para que corramos na ilusão longitudinal do rectângulo, mas sei bem que é um quadrado (!)
Um quadrado circular porque andamos às volta uma vida inteira para atravessá-la (a rua somos trespassados de lado-a-lado). 
Mas ficamos sempre qualquer coisa no (e do) outro lado quando já deste lado estamos e voltamos uma e outra vez 
(a língua que arranha também cura e amacia o pelo grés) 
Menos de cada vez 
Uma e outra vez
Demora uma rua inteira para fazermos uma vida 
E na esquina 
Vi-te uma última vez 
(a primeira vez, talvez) 
E percebi...
Que o rosto só se vê uma vez. 

(c) Filipe M. | texto & Fotografia (2015)



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